Argumentos equivocados e corretos no debate sobre ordenação de mulheres

Ekkehardt Mueller, Th.D.
Diretor-adjunto, Instituto de Pesquisa Bíblica

Algumas pessoas realizam boas obras porque creem que, ao fazê-las, terão mais chances de serem salvas. Outras realizam boas obras porque são gratas pelo gracioso dom da salvação e desejam seguir o exemplo do seu Mestre. Os cristãos devem fazer boas obras? Certamente! A Bíblia repetidas vezes destaca a importância das boas obras, como é exemplificado pela conhecida parábola de Jesus sobre as ovelhas e os bodes (Mt 25:31-46). Depois de afirmar que os verdadeiros cristãos foram salvos pela graça mediante a fé, e que isso “não [acontece] por obras”, Paulo acrescenta que fomos criados “em Cristo Jesus para fazermos boas obras” (Ef 2:8-10, NVI). Portanto, é possível fazer o correto por razões equivocadas? É óbvio que sim.

Atualmente, a Igreja Adventista do Sétimo Dia debate o assunto da ordenação com enfoque na ordenação de mulheres ao ministério pastoral. Este artigo não discute se a ordenação de mulheres ao pastorado é possível ou deve ser buscada. No entanto, parece-me que alguns argumentos favoráveis à ordenação de mulheres deturpam as Escrituras ou não a levam a sério. Alguns argumentos contrários à ordenação de mulheres possuem as mesmas falhas. Vamos analisá-los brevemente.

Argumentos equivocados em favor da ordenação

Os adventistas enfatizam a importância da Palavra de Deus e buscam se guiar pelas Escrituras. Em questões de fé e prática na vida cristã, a Bíblia ocupa um lugar insuperável e inigualável. Mas alguns argumentos usados no debate não representam corretamente as Escrituras ou não estão relacionados com as Escrituras e, portanto, são falsos, frágeis ou secundários. Eis alguns exemplos de argumentos equivocados ou até inconsistentes:

1. A ordenação de mulheres é necessária por causa de um consenso cultural e social. Não há dúvidas de que a sociedade e a cultura atual de muitos países ao redor do mundo têm redefinido o papel e a função das mulheres e exercem pressão sobre os que não estão em harmonia com esse pensamento. Isso pode facilmente levar à conclusão de que a igreja deve ser adaptar à cultura a fim de ser mais relevante e não ser considerada uma seita. Mas a cultura não está automaticamente correta e não pode determinar o que os cristãos devem crer ou como devem se comportar. Por exemplo, em certos lugares onde a promiscuidade e a exploração dos outros são comuns, o verdadeiro cristianismo deverá ser contracultural.

2. A ordenação de mulheres é necessária porque, sendo que outras igrejas decidiram ordenar mulheres, os adventistas não devem ser os últimos a fazê-lo. A questão não é o que outras igrejas fazem ou não, mas o que é o correto a ser feito. Muitas outras igrejas, por exemplo, praticam o batismo de crianças e guardam o domingo.

3. A ordenação de mulheres é necessária porque possivelmente os primeiros adventistas apoiavam a atuação de mulheres no ministério e talvez até a ordenação de mulheres. Devemos nos lembrar de que nem mesmo os desenvolvimentos históricos da Igreja Adventista garantem que determina crença ou prática seja correta e, portanto, deva ser buscada. Desde o início de sua história, a igreja tem experimentado inúmeras crises e desafios, e ocasionalmente ocorrem equívocos.

4. A ordenação de mulheres é necessária porque é antiético não ordenar mulheres. Da perspectiva da geração atual, essa é uma questão ética, ao menos para muitos, e talvez realmente seja. No entanto, a Bíblia não contém um mandamento para ordenar mulheres ao ministério pastoral. Portanto, em primeiro lugar deve ser esclarecido se a Bíblia permite ou não, ou se sugere implicitamente a ordenação de mulheres. Uma vez esclarecida a questão, podemos falar sobre ética. Caso contrário, pode-se argumentar que, da perspectiva bíblica, talvez não seja moralmente errado negar a ordenação a mulheres e que a recusa a fazê-lo não viola uma ordem divina, assim como não há violação de um mandamento divino em não se ordenar professores da Escola Sabatina.

5. A ordenação de mulheres é necessária porque mudanças ocorrem regularmente e são inevitáveis. É verdade que devemos esperar algumas mudanças, porque o Espírito Santo guia continuamente a igreja, mas mudança pela mudança não é uma boa razão. A história da igreja está repleta de exemplos de más escolhas feitas na teologia e na prática. Nas Escrituras, a preocupação dos atenienses com “as últimas novidades” não é vista necessariamente como algo elogiável (At 17:21).

6. A ordenação de mulheres é necessária por razões práticas. Com frequência, a prática pode influenciar a reflexão teológica, e tal influência talvez não seja equivocada, mas até necessária; mas, por outro lado, ela pode levar a eventos que são extremamente difíceis de se corrigir. O desenvolvimento do sacerdócio hierárquico, a primazia do bispo de Roma e sua elevação a papa não possuem apoio bíblico.

7. A ordenação de mulheres é necessária porque abre caminho para a aceitação de um estilo de vida homossexual por parte da Igreja Adventista. Os dois assuntos não estão relacionados e devem ser mantidos separados. Embora a Bíblia claramente seja contrária à prática homossexual, ela não proíbe explicitamente – e alguns argumentariam que nem implicitamente – a ordenação de mulheres.

8. A ordenação de mulheres é necessária porque a discussão vai continuar. Há muitas outras discussões que vão continuar, como o debate evolução versus criação, a guarda do domingo versus a guarda do sábado, a crença na imortalidade natural da alma versos a crença na não imortalidade do ser humano, e assim por diante. Se a igreja deve se render num assunto cuja discussão vai continuar, isso não se estenderia logicamente a todas as questões que permanecem a ser desafiadas? Essa dificilmente é uma abordagem bíblica, porque torna a igreja dependente dos pontos de vista majoritários, e não das Escrituras.

Essa lista de argumentos equivocados em favor da ordenação de mulheres ao ministério pastoral de modo algum é exaustiva. Ela apenas mostra que alguns argumentos são questionáveis, difíceis de serem aceitos pelos adventistas ou são periféricos, ou seja, podem ser válidos se a ordenação de mulheres for estabelecida com base em outros argumentos.

Argumentos equivocados contra a ordenação

Voltemo-nos agora a alguns argumentos contrários à ordenação de mulheres que são igualmente frágeis:

1. A ordenação de mulheres é inaceitável porque o que ocorre na sociedade e na cultura deve ser rejeitado. Esse argumento considera a cultura e as normais sociais completamente e sempre opostas a Deus, uma posição dificilmente sustentável. A cultura é uma mescla de componentes que não pode ser aceita integralmente, mas nem tampouco rejeitada integralmente. Por exemplo, os cristãos não são chamados a rejeitar o governo, que é parte da cultura (Rm 13:1-3).

2. A ordenação de mulheres é inaceitável porque o que ocorre em outras igrejas deve ser rejeitado. Embora os adventistas não imitem cegamente outras igrejas, eles não contestam tudo o que é feito por essas igrejas. Na verdade, os adventistas se apoiam nos “ombros” de outros cristãos. Eles são gratos por ensinamentos bíblicos descobertos e praticados pelos reformadores, pelos anabatistas e por outros grupos cristãos.[1]

3. A ordenação de mulheres é inaceitável porque, apesar de discutir a questão durante mais de 40 anos, a igreja nunca a aceitou oficialmente. Esse seria um argumento baseado na tradição; neste caso, na tradição adventista. Mas não é um argumento bíblico. Também demorou bastante tempo para que os pioneiros adventistas concordassem a respeito de outros temas. A doutrina da Trindade, por exemplo, embora claramente apoiada por Ellen G. White, demorou a ser aceita.

4. A ordenação de mulheres é inaceitável porque segue uma agenda feminista militante. É verdade que algumas formas de teologia feminista reinterpretam completamente as Escrituras com base na pressuposição de que a Bíblia não é a Palavra de Deus e pode ser nociva (o que é inaceitável aos adventistas). Também é verdade que algumas ações de feministas militantes podem perturbar muitos cristãos. Mas o fato de que os feministas cristãos apoiam a ordenação de mulheres não significa que essa prática seja equivocada. O uso de argumentos errados em ambos os lados não nos impede de adotar determinada prática pelas razões corretas.

5. A ordenação de mulheres é inaceitável porque ela se opõe à compreensão tradicional dos papéis mulheres. Além disso, milita contra as relações familiares, que são descritas em termos de submissão. Esse argumento não é necessariamente verdadeiro. Muitos defensores da ordenação de mulheres sustentam que, dentro do lar, a mulher deve ser submissa a seu marido e que o marido deve amar sua esposa com o amor semelhante ao de Cristo (cf. Ef 5:21-30). Contudo, eles não creem que todas as mulheres devem ser submissas a todos os homens. Por outro lado, mesmo que esse argumento fosse verdadeiro, não poderia ser usado para impedir mudanças, se as Escrituras as apoiassem.

6. A ordenação de mulheres é inaceitável por razões práticas. Novidades criam ansiedade e perturbação interna. É bastante provável que novidades possam criar sentimentos incômodos e alguma espécie de ansiedade, e levem alguns homens a questionarem qual é seu papel e como devem se relacionar com as mulheres em questões de autoridade. Ainda assim, razões práticas não podem ser o árbitro final para decidir se algo deveria ou não ser feito.

7. A ordenação de mulheres é inaceitável porque pode estar ligada ao apoio de um estilo de vida homossexual. É verdade que algumas pessoas ligariam a ordenação de mulheres ao apoio de um estilo de vida homossexual. Mas outros que apoiam a ordenação de mulheres ao ministério pastoral se oporiam terminantemente à prática homossexual, pelo fato de ser contrária à Bíblia. Novamente, razões equivocadas usadas por alguns não nos impedem de fazer o que é correto pelos motivos corretos.

8. A ordenação de mulheres é inaceitável porque seus defensores usam formas de teologia liberal e abordagens críticas à Bíblia. Esse argumento é amplamente inválido em relação aos adventistas. Embora alguns liguem a ordenação de mulheres à teologia liberal, a vasta maioria não o faz. Com frequência, são aqueles que possuem uma visão mais elevada das Escrituras que apoiam a ordenação de mulheres.

Argumentos corretos a favor e contra a ordenação

Ao longo de sua história, os adventistas têm enfatizado que aceitam a Bíblia como a Palavra de Deus e se dedicam a estudar as Escrituras e seguir sua direção. No entanto, parece que isso nem sempre tem ocorrido no debate sobre a ordenação. Nesse debate, às vezes usamos argumentos periféricos e até equivocados. Isso não deveria acontecer, porque apenas cria um ambiente emocionalmente tenso e nos leva a focalizar argumentos irrelevantes, em vez de focalizarmos as Escrituras e suas implicações.

No artigo “Hermeneutical Guidelines for Dealing with Theological Questions” (Diretrizes hermenêuticas para se lidar com questões teológicas),[2] expliquei como desenvolver o processo de estudar as Escrituras e quais perguntas devemos fazer. Argumentei que, em áreas sobre as quais a Bíblia não apresenta mandamentos explícitos, os adventistas não seguem nenhuma destas abordagens: (1) o que as Escrituras não proíbem é permitido – o que nos permitiria fumar cigarros e usar drogas narcóticas; e (2) o que as Escrituras não permitem é proibido – o que daria fim à medicina moderna e à estrutura organizacional da igreja. Portanto, levamos a sério os princípios bíblicos e fazemos distinção entre descrições bíblicas e prescrições bíblicas. Além disso, percebemos o desenvolvimento histórico dentro das Escrituras (por exemplo, da carta de divórcio do Antigo Testamento à clara posição de Jesus contra o divórcio).

Nossa tarefa é estudar as Escrituras e tentar descobrir os princípios bíblicos que podem nos guiar no debate acerca da ordenação, pesando todas as evidências bíblicas, orando e permitindo que o Espírito Santo nos conduza. Uma vez que isso seja feito, alguns dos argumentos periféricos podem fornecer algum apoio adicional. Mas as Escrituras sempre devem permanecer em primeiro lugar.


Referências:
1. Veja Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 61-264 (capítulos 4-14).
2. Ekkehardt Mueller, “Hermeneutical Guidelines for Dealing with Theological Questions”, Reflections: The BRI Newsletter, outubro de 2012, p. 1-7. Esse artigo foi publicado em português como “Quando a Bíblia aparentemente silencia”, Ministério, maio-junho de 2013, p. 17-20.

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